18/09/2016

Sobre vinhos secos e doces

Categoria:  Artigo
taca-vinho-doce

“Os vinhos secos são melhores do que os vinhos doces”.

“Se um vinho é assim, tão doce, é porque botaram açúcar”.

“Vinho doce é a mesma coisa que vinho suave”.

As frases acima são tão comuns que podem até parecer corretas, mas não são.

O teor de açúcar é um fator muito importante na composição dos vinhos, pois a sua medida, ao lado de outros componentes, é o que torna o sabor de cada exemplar único.

Por essa razão, é importante saber como funciona a categorização dos vinhos, a partir de sua doçura, para saber que tipo de vinho se está comprando.

Nesse contexto, é possível classificar os vinhos (tintos, brancos ou rosés) em secos, meio-secos ou demi-sec, suaves e doces. A distinção de cada qual se faz pela graduação de açúcar – mensurada pela unidade glicose por litro – e seu enquadramento está previsto pela legislação brasileira (sobretudo nas Leis n. 7.678/1988 e n. 10.970/04 e no Decreto n. 8198/2014).

Então, se está na lei, nem se discute!

Não é porque há uma definição legal que essas categorias se tornam absolutas. Na verdade, do ano de 1988 até os dias atuais, as graduações mínimas e máximas de açúcar já foram regulamentadas, pelo menos, duas vezes. Ou seja: nada impede que os patamares sejam revistos e alterados no futuro. E, em alguns casos, mais do que discutível, a categoria gera dúvidas, em face do subjetivismo dos limites empregados.

Mas como estão definidos esses patamares?

Os vinhos secos, segundo as normas brasileiras, possuem uma concentração de até 4 gramas de glicose por litro. Na prática, a doçura é praticamente imperceptível ao paladar, e isso, para muitos, é o fator que torna os vinhos secos mais complexos do que as outras variedades. Isso porque a ausência desse sabor adocicado evidenciaria outros aspectos, como a acidez, a persistência e os taninos que o vinho possui, o que seria um desafio maior para o paladar.

Os vinhos meio-secos ou demi-sec ficam entre os secos e os doces e não é possível afirmar que a sua doçura é sensível ou não ao paladar. Diz-se isso pois a margem da concentração de açúcar prevista em lei é muito grande (superior a 4 até 25 gramas de glicose por litro). Portanto, se ele estiver mais próximo do patamar mínimo, você pode achar que se trata de um vinho seco; caso esteja mais próximo do patamar máximo, o vinho pode ser bem adocicado. Nessas horas, nem a definição do rótulo é capaz de informar, com segurança, qual o sabor que será sentido.

Nos vinhos suaves e doces (estes, também, chamados de vinhos de sobremesa) há a mesma fixação quanto à graduação mínima de açúcar (a partir de 25 gramas de glicose por litro) e, apenas para vinhos finos, há um limite máximo de 80 gramas de glicose por litro.

Tipos Mínimo (g/l) Máximo (g/l)
Secos Até 4 gramas
Meio-secos + 4 gramas Até 25 gramas
Suaves e doces + 25 gramas Até 80 gramas (só para os vinhos finos)
Mas vinhos suaves e vinhos doces não são a mesma coisa?

Não.

No caso dos vinhos suaves, para lhe conferir doçura, a técnica mais utilizada é adicionar substâncias açucaradas ao vinho (como a sacarose, por exemplo), logo após a sua fermentação. Apesar de serem fortemente associados aos vinhos de mesa, é possível encontrar vinhos finos suaves.

Os vinhos doces, via de regra, são feitos com uvas viníferas, e são (sem querer ser redundante) doces, complexos e intensos. Tal doçura não existe por conta da adição de substâncias estranhas ao vinho: ela está relacionada diretamente à condição da uva, à colheita ou à forma de produção desses vinhos.

Como assim?
Uvas_com_Botrytis_Cinerea

Em relação à condição da uva: existe um fungo chamado Botrytis cinerea que, em condições climáticas bem específicas, dão origem ao que se conhece como podridão nobre: ele perfura a casca das uvas ainda nas videiras e as desidratam. Dessa forma, com menos água, há uma concentração dos demais componentes sólidos (entre eles o açúcar). Devidamente colhidas, essas uvas passam pelo processo de vinificação e dão origem a vinhos doces (conhecidos como botritizados) e eles estão entre os mais caros da categoria.

Uva_colheita_tardia

Relativamente à colheita, há 2 técnicas para se obter vinhos doces: Late Harvest (ou colheita tardia), onde as uvas são colhidas após o período em que deveriam e, já desidratadas nas videiras, acabam aumentando a concentração dos componentes sólidos (e como já dito acima, entre eles, está o açúcar); e os vinhos Icewine ou Eiswein, produzidos em regiões cujos invernos são tão rigorosos que provocam o congelamento das uvas. Elas são colhidas dessa forma e, por parte da água da uva estar cristalizada, as uvas rendem uma quantidade de vinho menor, porém, tal como no caso anterior, ela é mais concentrada e doce.

Uvas_passificação

Quanto ao processo de vinificação, tem-se vinhos doces produzidos a partir da passificação das uvas, ou seja, elas são colhidas no período regular, mas são deixadas para secar (processo semelhante ao da obtenção das uvas passas), de modo que desidratam e, semelhante aos processos acima descritos, rende uma quantidade de vinho menor, só que mais doce.

Considerando as técnicas anteriores, o mosto (sumo das uvas) passará pelo processo de fermentação alcoólica para que se transforme em vinho. Porém, esse processo ocorrerá parcialmente, ou seja, o processo sofrerá uma interrupção, a fim de que nem todo o açúcar se transforme e álcool. No caso dos vinhos doces, esse açúcar residual será sempre bem elevado.

Por fim, no caso dos vinhos demi-sec ou meio-seco, é um pouco mais complicado afirmar qual a técnica empregada, pois por muito pouco ele poderia ser seco e, a depender do seu teor de açúcar, quase poderia ser um vinho doce.

Qual é o melhor tipo de vinho?

Vinhos mais adocicados tem um apelo maior no Brasil justamente pelo sabor mais acessível (e, porque não, familiar ao paladar). Nessa categoria, os vinhos suaves ganham ainda mais destaque do que os doces, sobretudo, por conta da sua ampla circulação em terras nacionais e de seu preço mais acessível.

Embora haja uma verdadeira obsessão em relação aos vinhos secos (e que, muitas vezes, é acompanhada de um certo desprezo em relação aos demais tipo de vinhos), quem define qual é o melhor vinho é quem o bebe. Nessas horas, produzir vinhos de boa qualidade, independentemente da sua categorização, é, sinceramente, uma ideia melhor do que se valer de conceitos (ou preconceitos) na hora de comercializá-los.

Secos, meio-secos, suaves ou doces… A pergunta certa sobre essas categorias seria: qual é o seu tipo preferido?


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