Quando se pensa em vinhos, é normal pensar naqueles exemplares clássicos europeus, cuja tradição e fama falam mais alto na hora de escolher um vinho, seja para beber, seja para presentear, seja para indicar.
Mas e os vinhos brasileiros?
Infelizmente, há uma parcela robusta de apreciadores de vinhos (inclusive brasileiros) que não aposta muito no produto nacional. A linha de pensamento que muitos sustentam é quase sempre a mesma: “os espumantes brasileiros são bons, há alguns vinhos brancos interessantes, há poucos rosés que valem a pena, mas os tintos… nenhum é bom”.
Essa visão sobre os vinhos brasileiros é um tanto quanto equivocada. Primeiro porque dificilmente aqueles que pensam dessa forma realmente provaram uma grande variedade de vinhos brasileiros, de regiões diferentes, a ponto de afirmar que “nenhum deles é bom” com conhecimento de causa. E, ainda que algum apreciador de vinhos possa ter tido o privilégio de ter realizado tal façanha, os vinhos brasileiros estão em constante avanço, safra a safra, e estigmatizá-los sem considerar seu progresso é, sem dúvida, precipitado.
Esse tipo de linha de pensamento é bastante prejudicial e deveria ser evitada, pois influencia quem está começando no mundo dos vinhos. Não é raro encontrar iniciantes ou iniciados que simplesmente desprezam os vinhos brasileiros sem nunca terem provado um único exemplar.
Explicar cada marco e cada evento poderia tornar a resposta mais precisa, porém muito cansativa. Por isso, parte-se para uma visão mais resumida:
A história dos vinhos no Brasil começou pouco tempo depois do seu descobrimento, por volta de 1532, quando Martim Afonso de Souza trouxe as primeiras mudas de uvas europeias para a Capitania de São Vicente. Porém o terroir (conjunto de condições climáticas e geológicas) brasileiro, à época, dificultou o avanço do cultivo das videiras. Quase 20 anos depois, um membro da expedição colonizadora de Martim Afonso, Brás Cubas, insistiu no cultivo dessas uvas em outro local (mais para o litoral, no Planalto Atlântico), mas sua iniciativa, também, não prosperou.
Um novo capítulo na história de vinhos finos do Brasil deu-se mais a frente, em 1626, com o jesuíta Roque Gonzáles de Santa Cruz que disseminou videiras de uvas finas no Rio Grande do Sul. Apesar da produção de alguns exemplares, sobretudo para consumo doméstico, a iniciativa não durou muito, em face do contexto histórico da época, repleto de conflitos políticos..Apesar da produção de vinhos finos no Brasil, até aquele momento, não ter sido muito expressiva, a corte portuguesa, em meados de 1780, proibiu o cultivo de uva no Brasil para proteger a sua própria produção de vinhos. Essa medida só foi derrubada cerca de 20 anos depois, com a vinda da corte portuguesa ao Brasil.
O cultivo de uvas europeias, sobretudo no Rio Grande do Sul, foi avançando discretamente, até que, por volta de 1839, foram introduzidas as uvas americanas no país, as quais se adaptaram muito bem ao solo e clima brasileiros. A chegada dos imigrantes italianos em 1870 intensificou a viticultura brasileira, porém, o conhecimento de muitos deles nessa área não foi o suficiente para que a adaptação das cepas europeias ocorresse de forma mais efetiva. Não é à toa que boa parte desses imigrantes se rendeu às uvas americanas, cujo cultivo e vinificação era bem mais fáceis e, por isso, muito mais rentáveis.
A produção de vinhos finos só ganhou um capítulo mais consistente no início dos anos 90, quando algumas cooperativas impulsionaram o plantio de uvas viníferas, sobretudo na região sul. Juntamente com esse impulso, a vinicultura brasileira passou a ser patrocinada pela iniciativa estrangeira, que introduziu capital, novas técnicas e metodologias para a elaboração desses vinhos. Isso, obviamente, projetou os exemplares brasileiros para o mercado internacional, já que a sua qualidade aumentou significativamente.
Hoje, além do Rio Grande do Sul, o país conta com outras regiões produtoras de vinhos e o reconhecimento dos exemplares nacionais, sobretudo no exterior, é cada vez mais notável.
Os vinhos de mesa ainda ocupam um lugar de destaque no cenário nacional. Tanto que, segundo as estatísticas colhidas no site da UVIBRA, de janeiro a agosto de 2016, foram comercializados por volta de 118 milhões de litros de vinho de mesa e, apenas cerca de 13 milhões de litros de vinhos finos.
A explicação não é lá tão complexa: conforme se viu no panorama histórico brasileiro, enquanto as uvas europeias sofreram até se adaptarem ao terroir brasileiro, as uvas americanas, com destaque para a uva Isabel, possuiu um cultivo tão bem-sucedido, sobretudo no Rio Grande do Sul, que desde a sua introdução, ocorrida por volta de 1840, é ainda a uva mais cultivada na região, in natura, na forma de suco e de vinho.
Conforme o artigo Vinhos finos e de mesa… na prática, tem diferença?, o sabor acessível, o preço mais baixo ou a abundante produção e circulação de vinhos de mesa podem ser as razões pelas quais os vinhos finos ainda não sejam os pioneiros no mercado interno. Mas, nem por isso, é possível afirmar que não se faz bons vinhos no Brasil.
O principal estado vitícola do Brasil é o Rio Grande do Sul, um dos maiores produtores de uva e de vinho (fino e de mesa). Há outros estados que merecem destaque na produção de vinhos (sobretudo os de mesa) como São Paulo, Santa Catarina, Pernambuco e Bahia (estados abrangidos pela zona do Vale do São Francisco), Paraná e Minas Gerais.
Como dito anteriormente, os vinhos de mesa, de fato, são largamente produzidos e consumidos pelos brasileiros. No entanto, a produção de vinhos finos de qualidade já é uma realidade no Brasil, tanto que a extensa área e diversidade climática do país ainda atrai o interesse de produtores de vinhos nacionais e estrangeiros.
Por exemplo: hoje, o Brasil conta com a zona do Vale do São Francisco, cujo clima semiárido e solo argiloso poderiam ser condições impeditivas de produção de vinhos. Contudo, ela atraiu e atrai vários empreendimentos de outras regiões (como filiais de vinícolas do sul e do sudeste, por exemplo) e de outros países (com destaque para Portugal), já que o avanço da tecnologia agrária tornou promissoras áreas como esta, antes consideradas inviáveis para o cultivo de uvas viníferas.
O país não tem a mesma tradição europeia, em termos de produção de vinho, mas vive em constante crescimento desde os anos 90, o que é algo que deve ser considerado.
Provando vinhos brasileiros. Não tem perspectiva que resista ao tira-teima. É claro que, no curso de uma degustação de vinhos nacionais, você vai encontrar exemplares não tão bons ou que simplesmente não te agradarão. Mas se você for para o Chile, Argentina, Espanha ou França, também haverá uma grande chance disso acontecer. Manter a cabeça aberta traz oportunidades de conhecer bons vinhos, independentemente da origem do exemplar.