Por: Tamine de Moraes
Basicamente, a harmonização de vinhos envolve o trio conceitos básicos + sensibilidade do paladar + gosto pessoal.
Parece um exercício matemático, mas passa bem longe disso.
Harmonizar é propor, é sugerir uma combinação capaz de agradar a maioria das pessoas. E friso: a maioria. Porque alcançar a unanimidade no campo sensorial é fantasia.
O que acontece é que as nossas experiências alimentares são muito diversas e uma proposta de harmonização não é capaz de garantir uma experiência divina e igual pra todo mundo. Aliás, nem as regras de ouro da enogastronomia são tão simples quanto parecem. Sabe aquela que diz carne vermelha combina com vinho tinto? Nas letras miúdas estão: depende do corte, do tipo de cocção, do tempero e até dos acompanhamentos. Em relação ao vinho, depende da uva, do produtor, etc. etc. etc.
Então, quando chega aquele amigão falando “escuta, um churrasquinho… vai bem com o quê, hein?”. A vontade é de responder “depende” ou “calma, me explica direito o que vai rolar no dia”. Mas não tem como. Porque quem estuda vinhos acaba sendo visto como (e reduzido a) um catálogo ambulante de rótulos e pratos. Malbec é a única resposta que o amigão quer ouvir. E ele também quer o link do site que vende esse Malbec. E vai reclamar se o vinho for caro. E vai mandar um “valeu” no final, como se você não tivesse feito mais nada do que a sua obrigação.
Consultoria compulsória e não-remunerada… Quem nunca?
Voltando às primeiras linhas do post, a harmonização de vinhos é uma sugestão que se atrela, também, ao nosso estado de espírito. Isso quer dizer que uma refeição à luz de velas preparada para combinar com aquele rótulo especial pode ser tão bom quanto uma taça de vinho servida com um petisco aleatório no meio da semana.
Aliás, nessa montanha-russa pandêmica em que estamos, talvez a simplicidade dê até mais prazer do que o requinte…
Foi nessa vibe que abri este Vouvray. Era junho de 2021, um sábado bem frio e mau humorado. Isolada na Serra Paulista, resolvi servi-lo despretensiosamente ao lado de alguns queijos e salames lá da A queijaria.
Esse espumante é fruto do trabalho da Marc Brédif, uma vinícola do Loire e de propriedade do Baron de Ladoucette, nome reverenciado em toda a França.
O legado da família Comte Lafond e Ladoucette não é pequeno e nem é recente. O maior e mais famoso vinhedo Pouilly-Fumé (denominação de origem lá do Vale do Loire e de onde saem os Sauvignon Blancs mais célebres do mercado) está nas suas mãos desde 1787. Hoje, a propriedade pertence ao Baron Patrick de Ladoucette, descendente do Comte Lafond, e que não somente herdou esse legado como estendeu o seu poder pra outras regiões francesas, como Sancerre, Chablis, Vouvray e Chinon.
No mercado e sob seu domínio, encontram-se hoje vinhos rotulados como De Ladoucette, La Poussie, Regnard, Baron Patrick e Marc Brédif.
Especificamente sobre os vinhos Marc Brédif, vi que eles são trazidos pela Mistral. Segundo a importadora, a Marc Brédif foi fundada em 1893 e é uma das propriedades mais prestigiadas do mundo, empregando artesãos meticulosos que elaboram vinhos em um estilo limpo, saboroso e perfeito para acompanhar comida. Além dos vinhos tranquilos, os espumantes que levam o seu nome são frescos, com um toque cremoso e cheios de nuances. Visando conferir ainda mais complexidade, Marc Brédif acrescenta uma parte de vinhos reserva, maturados por longos anos nas frias caves do imponente Château de Nozet, uma prática rara e que se usa com moderação também em Champagne.
A Mistral descreve esse Vouvray como “expressivo e complexo, (…) mostra grande classe e frescor, com um bouquet cativante e uma discreta cremosidade no palato. Ele é elaborado pelo método clássico, o mesmo de Champagne, permanecendo mais de dois anos com as borras”.
Impressões: é um espumante de média intensidade aromática. No nariz, saltam as nozes e as castanhas, seguidas de frutas brancas bem maduras – quase em calda – com destaque pra pera. Na boca, a cremosidade é média e desponta uma nota de pão tostado, que divide espaço com uma sutil salinidade. E, enquanto isso, a boca saliva bastante pela acidez.
A paleta de aromas e de sabor dá conta de um espumante mais intenso e austero. As frutas brancas muito maduras quase se escondem sob as notas de autólise, que são bastante profundas. Tudo está bem amarrado pela acidez, que ainda vibra muito, de modo que esse conjunto todo acaba tornando o vinho um convite interessante à mesa.
Servi os queijos e embutidos com pães de fermentação natural. A combinação mais gostosa foi com o queijo de vaca Flor de Cássia: a interação deixou a boca amanteigada, além de destacar as frutas secas no espumante. Se eu fosse remontar a tábua, escolheria diversos queijos brancos e frescos de vaca, de búfala e de cabra, porque esse Vouvray é intenso, mas percebi que demanda opções mais delicadas de sabor quando o assunto é comida.
Ele custou R$328,79 no site da Mistral, porém não o encontrei no seu e-commerce até o fechamento desse post.
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Se você já experimentou o Vouvray Brut da Marc Brédif, avalie aqui embaixo!