Recentemente, participamos de uma degustação de vinhos brasileiros. Estávamos em um grupo pequeno e a proposta era provar quatro vinhos: um rosé, dois tintos e um espumante. Ao nosso lado, havia dois casais: o par da esquerda afirmou que não bebia vinho com frequência e que, quando bebia, preferia os mais adocicados. O da direita nos disse que estava começando a se interessar por vinhos finos mais secos após uma viagem à Serra Gaúcha, mas que antes era só vinho de mesa.
A degustação começou pelo rosé e não arrancou muitos suspiros. Uma das mulheres, inclusive, deu só um gole e dispensou o restante em um baldinho. Quando passamos para os tintos, houve um certo esforço coletivo para bebê-los. Apesar dos sabores não serem muito fortes para nós, certamente eram diferentes para quem não está habituado com acidez, taninos e, sobretudo, com a falta de doçura. Não por acaso, a mesma mulher que dispensou o rosé jogou fora os dois tintos no baldinho, pois não conseguia beber mais de um gole.
Até que chegou a vez do espumante: um Moscatel. Ele foi servido fresquinho e todos beberam ao mesmo tempo. Nenhum daqueles casais se atreveu a largar a taça! Aquela mulher que dispensou os vinhos, dessa vez, sorriu e disse: “ah, esse sim!”. A outra mulher que estava do nosso lado fechava os olhos toda vez que o bebia e, depois, exibia um prazer estampado no rosto: “Gente, é uma delícia né?”.
Apesar dos vinhos adocicados não serem os nossos preferidos, nós já tivemos uma experiência incrível com um vinho doce: uma garrafa que nos serviu da entrada à sobremesa. É sempre bom quando um vinho é capaz de quebrar os velhos paradigmas de que para ser bom tem que ser tinto, fino e seco!
Vinhos de mesa (feitos parcialmente ou na sua totalidade com uvas americanas e/ou híbridas) e vinhos finos (feitos exclusivamente com uvas viníferas), sejam secos ou doces, têm o seu papel, a sua tradição e os seus amantes fiéis.
Essas discussões sobre o melhor ou o pior, ao menos no Brasil, perdem-se nos números: segundo a Uvibra, no ano passado, foram comercializados cerca de 166 milhões de litros de vinhos de mesa, e apenas 19 milhões de litros de vinhos finos. E só de espumante Moscatel, para o qual muitos “experts” torcem o nariz e dizem ser um tipo inferior de espumante, foram comercializados quatro milhões de litros.
Somado a esses números, o Casa Perini Moscatel, vendido na faixa de R$40,00, foi eleito o quinto melhor vinho do mundo pela Associação Mundial de Jornalistas e Escritores de Vinhos e Licores neste ano.
Bom, estigmatizar uma categoria de vinho “porque é de mesa”, “porque é adocicado” ou “porque é barato” não faz sentido algum, até porque é possível encontrar vinhos incríveis e, também, vinhos de baixíssima qualidade secos e doces, produzidos com uvas de mesa e com uvas viníferas, independentemente.
E como se não bastasse, menosprezar o gosto da maioria dos consumidores brasileiros é depreciar quem tem o poder de compra. Além de ser uma atitude desnecessária e esnobe, ela dificulta o desenvolvimento do setor e aumenta o abismo que existe entre essa bebida e os brasileiros. Afinal de contas, quem é que vai querer beber um vinho e se sentir depreciado por suas preferências?
Arriscar e experimentar vinhos diferentes é sempre bom, até porque novos sabores trazem novas experiências e, quem sabe, novas preferências. Mas esse interesse e o gosto por novas sensações devem nascer de uma forma curiosa e prazerosa, não por pura pressão.
Sabe aquela mulher que dispensou quase todos vinhos? Julgar o seu paladar ou se ela está certa ou errada não vem ao caso. Fato é que ela experimentou, estranhou, não curtiu e jogou fora. Ao final, ela encontrou um vinho que a fez beber até o último gole, um verdadeiro final feliz!
A outra mulher bebeu todas as taças de vinhos até o último gole, um esforço que ficou bem evidente, assim como ficou bem evidente, também, o alívio que ela sentiu ao beber algo que lhe deu muito prazer.
Sinceramente, se você está curtindo muito um vinho e vem alguém e diz que ele é ruim ou que você não tem bom gosto, o que você faria? Cuspiria o vinho? Jogaria a garrafa fora? Bom, ao invés de dispensar o que você está bebendo, considere dispensar esses pitacos de quem não consegue respeitar os gostos e os prazeres alheios!
Se você já precisou jogar um vinho no baldinho ou tem um exemplar que te faz sorrir, compartilhe conosco!