Conheço muitos colegas que abraçam o lema “vamos simplificar o mundo dos vinhos”.
Se você quer vender um vinho ou um serviço pra uma pessoa que não entende do assunto, evitar jargões ajuda. Mas eu acho isso meio óbvio de ser dito. Se eu ouvir um discurso técnico e pomposo vindo de um advogado, de um médico ou de um mecânico, fujo imediatamente e procuro outro profissional.
Vale o mesmo para um especialista em vinhos.
Pra mim, vende melhor a pessoa que fala a mesma língua do cliente ou que, pelo menos, tenta usar uma linguagem inteligível e atraente. Há exceções, mas a regra é essa.
Mas, tirando essa questão do linguajar, não vejo o tal “simplificar o mundo dos vinhos” um negócio tão simples de pôr em prática. Convenhamos que só dá pra simplificar alguma coisa que a gente sabe como funciona. Não dá pra descomplicar uma coisa que a gente não conhece.
O nome disso é enrolação.
Eu não nego que existe dentro de nós uma pressa de querer se antecipar, de dizer que sabe das coisas e que sempre tem uma opinião pra tudo. As redes sociais aceleraram isso e a pandemia reforçou a necessidade de exposição a qualquer custo. Mas, pra ter sucesso nessa e em qualquer área, não existe outra alternativa senão estudar…
Ok, existem outras alternativas. É que estudar é a melhor e é a mais difícil. A mais fácil é sair por aí e não falar coisa com coisa, pagar de besta pedante toda a vez que abre a boca e ganhar dinheiro com publicidade e com clube de vinhos às custas da ignorância alheia.
Paciência pra quem cai no papo. E como tem gente que cai, meu Deus!
Desabafos azedos à parte, por aqui o vinho é doce. E não precisa vir torcendo o nariz, dizendo que vinho doce não presta, só presta o seco. A categoria de vinhos doces é muito ampla e existe uma série de métodos que podem dar origem a bebidas bem diferentes, das mais simples e desequilibradas às fora da caixinha. Tudo depende do que você procura e de quanto está afim de gastar.
Coteaux du Layon, ao lado do Quarts de Chaume e Bonnezeaux são as 3 denominações de origem da região francesa do Vale do Loire que produzem vinhos com 100% de uvas Chenin Blanc afetadas pelo fungo Botrytis Cinerea.
A história da Domaine Baumard é muito antiga. Conforme o site oficial, em 1634 e precisamente em Rochefort sur Loire, os ancestrais da família cultivaram parcelas de vinhas que estão na propriedade ainda hoje. Quando as vinhas foram reconstituídas após a filoxera, eles se tornaram viveiristas com videiras enxertadas. Essa atividade auxiliar continuou até a chegada de Jean Baumard em 1955, que se comprometeu a expandir o vinhedo por meio de aquisições em Anjou. Em 1957, ele comprou mais de 5 hectares nos Quarts de Chaume e, em 1968, reuniu cerca de 15 hectares em Savennières.
E foi assim que ele se tornou o primeiro vinicultor de Anjou a se firmar nos dois lados do rio Loire.
A atual configuração das vinhas se deve a Florent, filho de Jean, que combina a expressão do terroir e o domínio técnico transmitido por seu pai.
Sobre o vinho, a Mistral tem a ficha técnica da safra 2013 e a Domaine Baumard disponibiliza apenas a da safra 2018. A partir dessas informações gerais, juntei as seguintes: houve uma seleção por triagem sucessiva das uvas mais maduras e atacadas pela podridão nobre. A vinificação ocorreu em tanques de aço e com controle de temperatura. O vinho apresenta aromas floral e herbáceo, fruta e mel ligeiros, além de notas vegetais e minerais. É límpido, elegantemente suculento, doce e com um final muito bom. Por fim, a própria Domaine informa que Carte d’Or é a cuvée menos concentrada entre os seus vinhos doces.
Impressões: é um vinho de aromas complexos, que vão desde a casca de laranja cristalizada ao verniz, passando pelo petróleo, damasco e mel. É doce, tem uma acidez alta, é encorpado, tem um final longo e um retrogosto que confirma a casca de laranja.
Um vinho afetado por um fungo pode parecer tudo pra um leigo, menos de que é um vinho bom pra beber. Só que esse é o tal vinho fora da caixinha. Ele traz aromas que fogem das frutas frescas, do melão e do abacaxi, e traz um equilíbrio entre o doce e acidez que provocam o paladar e te jogam pra um outro lugar.
Vale a pena ter um vinho desse estilo na memória e na taça.
Por fim, sempre que eu abro um vinho, é difícil que eu não vá querer beliscar alguma coisa. Beber vinho sempre aumenta o apetite! Só que resolvi fugir um pouco da literatura e das tais combinações Made in Heaven e fui de canapés. Pra isso, usei os queijos lá da A Queijaria: o Flor de Cássia (um queijo de vaca tipo brie) que ornou com tomate cereja e manjericão e também com geléia de pimenta e o Azul do Bosque, servido ora com uma fatia de pepino e ora salpicado com amêndoas torradas. Talvez tenhamos pesado a mão nesse último e ficou forte demais pro vinho. Em compensação, os canapés com o Flor de Cássia dividiram o primeiro lugar: ambos untuosos, adocicados e que combinaram bem com as texturas e o dulçor do vinho.
Depois disso, tivemos o trabalho dos infernos pra empratar 3 tipos de sorvete – de morango, de figo e de creme. Não ficou a coisa mais linda desse mundo, porque eu definitivamente preciso de um prato melhor pra isso. Talvez eu poste só no Instagram, ainda não tenho certeza. Mas o que importa é combinação de sabores e o sorvete vencedor foi o de figo, que tinha um creme mais lácteo que pareou melhor o vinho. Fica mais uma ótima dica pra combinar vinhos doces e sobremesas!
A meia garrafa saiu por R$164,12 na Mistral.
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E se você já experimentou os Coteaux du Layon Carte d’Or 2013 da Domaine Baumard, avalie aqui embaixo!