Depois de uma longa temporada sem postar um vinho português no blog, eis que um Arinto encheu as taças por aqui. E não veio sozinho: fez um belo par com uma torta de bacalhau.
Eu acabei de resumir todo o texto em um parágrafo. Mas pra isso tudo isso acontecer levei dias arquitetando a ocasião. Tem sido difícil pensar nas harmonizações, porque o isolamento (sim, ele ainda existe por aqui) realmente impede a criatividade de fluir normalmente. Pra quem está assim há meses, o clima não é de férias e nem é festivo.
Apesar do avanço das fases na quarentena, é difícil se animar pra sair como se nada estivesse acontecendo. Embora haja um movimento maior na cidade, com padocas, bares e restaurantes abrindo com cuidado e abaixo da lotação máxima, não cogito tirar a máscara e fazer uma refeição fora de casa. Não faz sentido pra mim. Então, desde março/2020 as degustações e harmonizações são organizadas com quase 1 semana de antecedência pra coisa toda sair com uma cara boa. Se a comida vai vir do fogão, então tem que montar a lista de compras pra pedir no mercado de uma só vez. Se a comida vem de fora, tem que ver qual restaurante abre no dia, que horas e qual será o prato, sempre considerando que, se ele vier de longe, pode vir mal. E depois disso, leva mais um tempo pra pôr toda a história na tela.
Até quando? Até que tudo esteja mais seguro.
Mas falemos desse vinho português: ele é produzido pela Herdade de Coelheiros, cuja primeira referência histórica remonta a um fato ocorrido em 1467, ano em que foi oferecida como dote de casamento a Dom Ruy de Sousa e D. Branca de Vilhena. Dom Ruy foi uma figura importante na história de Portugal, por ser conhecido como o principal “arquiteto” do Tratado de Tordesilhas. Nos séculos seguintes, a herdade foi adquirida, explorada e habitada por diversas famílias. Aliás, na Revolução dos Cravos (25 de abril de 1974) que derrubou o regime vigente e preparou o terreno para a implementação de um regime democrático, o movimento da reforma agrária oportunizou a ocupação da herdade por populares. A expressão da casa como produtora de vinhos deu seus passos mais firmes em 1981 com os proprietários Joaquim e Leonilde Silveira, que, sob a batuta do enólogo António Saramago, passaram a cultivar inclusive mudas internacionais – como Cabernet Sauvignon e Chardonnay – e produzir vinhos com reconhecida qualidade. Um novo marco ocorreu mais recentemente, em 2015, quando Alberto Weisser e Gabriela Mascioli adquiriram a propriedade e Luís Patrão assumiu a condição de enólogo e viticultor da Herdade.
A Herdade de Coelheiros assume hoje seu papel de projeto familiar e afirma reconhecer os desafios e as conquistas que marcaram a sua trajetória. Ressaltam o compromisso em preservar o patrimônio natural da propriedade e em garantir a sua sustentabilidade.
Sobre o vinho: a safra de 2017 é 100% Arinto, tal como foi a de 2016. A partir da safra de 2018, parece que o vinho seguiu um curso diferente e hoje é um blend das uvas Arinto e Antão Vaz. A ficha técnica do vinho você encontra aqui. Entre as informações, destaco a colheita manual das uvas, com posterior seleção, prensagem pneumática e decantação. Fermentação alcoólica em tanques de inox com leveduras selecionadas e cerca de 30% do lote foi transferido para barricas de 500 litros logo após a fermentação começar. As borras finas foram mantidas em contato com o vinho. Foram produzidas apenas 10 mil garrafas.
Impressões sobre o vinho: uma intensa nota de petróleo saltou à vista, sem cerimônia. Na sequência, vieram os aromas frutados como maçã, pêssego e laranja. É um vinho branco seco, de médio corpo, de persistência média e com boa acidez. O retro-olfato trouxe a casca de laranja à memória.
Em resumo: é um vinho correto, fresco, tem uma boa presença de boca e um sabor bem acessível.
Tínhamos uma torta de bacalhau do Mesa III pra alegrar o dia. E, apesar do bacalhau sugerir algo salgado e bem intenso, a torta era bastante leve e equilibrada. E justamente por isso é que combinou perfeitamente com a proposta do vinho, sem se chocar com o seu sabor, sem roubar a cena e tirando proveito do seu frescor!
Ele custou R$169,88 na Mistral. É um vinho português bacana, porém não acho que o custo-benefício seja bom. Considerando o caos econômico e a crise sanitária em que nos encontramos, gastar 3 dígitos num vinho simples e correto acaba sendo muita coisa, infelizmente.
Outras opções de vinhos brancos nacionais e importados: clica aqui.
Se você já experimentou o vinho Coelheiros Branco 2017, avalie aqui embaixo.